VICE-CAMPEÃO DO MUNDO POR PORTUGAL ALVO DE CHANTAGEM NA GUINÉ: “NÃO VOU PARAR!”
“Estou mais aliviado, pois consegui soltar algumas palavras. É o caminho que eu escolhi…”
Lembra-se de Saná? Aos 31 anos, este vice-campeão do Mundo por Portugal, em 2011, ao lado de Cédric Soares, Danilo Pereira, Sérgio Oliveira, entre muitos outros, já não joga. O camisola 10 dessa seleção que ficou a um pequeno passo do ouro na Colômbia escolheu ajudar o seu povo, a Guiné Bissau, que, segundo o próprio, continua mergulhada numa situação terrível de miséria. Falta de alimentos, sistemas de ensino e saúde muito deficitários, uma realidade que conheceu desde sempre e alimentada por “políticos malvados que não querem saber da Guiné”.
Um presente com muitas semelhanças com o passado e ao qual voltaremos. Primeiro, importa recordarmos a trajetória de Saná no mundo do futebol. Saiu de Bissau, aos 15 anos, com destino a Lisboa, para representar o Benfica. O bom desempenho nas águias conduziu-o até às seleções jovens de Portugal, tendo sido internacional dos sub-17 até aos sub-21. Antes de ir para o Mundial sub-20, assinou pelo Servette, algo de que se arrepende, e mais tarde acabaria por rescindir para rumar ao Real Valladolid, então na segunda divisão espanhola.
A experiência no país vizinho não correu como esperado – “até hoje não posso explicar o que aconteceu”, resume ao zerozero – e acabou em Coimbra, na Académica, por quem nunca chegou a jogar à conta de inúmeros problemas contratuais com o Valladolid. Seguiu para o Brasil, onde conseguiu resolver todo o imbróglio junto do seu empresário e advogado, e quando estava para abraçar um novo desafio na Roménia apareceu o SC Braga, de Sérgio Conceição.
“Assinei um ano de contrato. Trabalhei com o Abel [Ferreira] na equipa B, correu tudo muito bem, mas quando ia para renovar, no último jogo tive uma lesão grave no ligamento e já não renovei. Ainda assim, fiz toda a minha recuperação lá, e só posso agradecer muito por isso, e saí para o Académico de Viseu”, recorda ao nosso jornal.
Ainda passou por Leixões, Olhanense e Gloria Buzau, da Roménia, até que a pandemia de Covid-19 fez com que ficasse retido em Bissau, durante uma visita nas férias, e transformasse algo que já tinha por hábito fazer numa rotina. Trabalho social. Missão: ajudar o próximo.
“Tenho de agradecer a Deus porque fui um sortudo. Apesar da minha curta carreira, consegui chegar a um patamar que é difícil para quem é da Guiné Bissau. Sou grato a Portugal, a Ilídio Vale e ao Benfica, porque foi lá que eu comecei e foi lá que surgiu a oportunidade de jogar pela Seleção”, reconhece ao zerozero.
“Pedi esmola na rua, agora tenho orgulho de servir as pessoas”
Saná é um homem de coração limpo. Sem arrependimentos, sem rancor, sem mágoa. Não olha para aquilo que podia ter sido a sua carreira, de quem muitos esperavam, e tão pouco se arrepende do caminho que escolheu. A Guiné-Bissau é um Estado conturbado. Polémica atrás de polémica. E que alberga um povo que tanto precisa.
“Eu fui pobre. Pedi esmola na rua, vendi água, laranja e amendoim para ajudar a minha mãe, e houve pessoas que me estenderam a mão. Agora é a minha vez de retribuir. A vida é assim e tenho muito orgulho de servir as pessoas. Criei uma associação com a minha mulher Niny Silva, a Nô Djorson, com quem me encontrei neste caminho de luta. Limpamos hospitais, compramos bens de primeira necessidade, construímos casas quase abandonadas, poços de água e tratamos de vistos para que os doentes possam vir fazer tratamentos a Portugal”, relata Saná.
“Aquilo que eu passei, hoje os meus irmãos estão a passar. Não tenho dinheiro para ajudar todos, mas posso fazer algo com o conhecimento que eu tenho. Em todos os clubes que passei, expus sempre os problemas do meu país. Não tinha problema em pedir ajuda. Muitos ajudaram e fiz sempre questão de mostrar a toda a gente onde investia esse dinheiro, através de diretos no meu facebook. Não fecho as portas a ninguém”, prossegue.
Mas nem tudo tem sido fácil nesta jornada de ajuda. Afinal, é um crítico do regime. Como se isso justificasse alguma coisa. Tem sido perseguido, ameaçado e já foi mesmo agredido quando procurava ajudar um compatriota no Hospital Nacional Simão Mendes.
“Fui impedido de entrar no Hospital pela atual ministra, porque dizem que eu estou a sabotar o governo. Fui agredido, mas o tempo deu-me razão. Eu não estava contra os médicos, mas sim contra o regime que temos. É triste e lamentável o que está a acontecer na Guiné. São malvados. Não gostam de quem pensa no bem para a Guiné. Três anos sem escola, saúde zero… A Guiné está pior do que estava quando eu saí em 2006. Se fizer uma rápida pesquisa, é só golpes, droga e raptos. Não há liberdade de expressão: jornalistas espancados, ativistas espancados. Estamos a sofrer”, acusa.
“Façam as montagens que quiserem, não vou parar!”
Neste momento, Saná não se encontra na Guiné-Bissau. É o mais seguro para si e para a sua mulher. No entanto, essa condição não o tem impedido de continuar a ajudar, mas também tem sido algo utilizado de forma negativa por quem não quer que o antigo internacional jovem português continue a mostrar o lado mais negro de um país em tumulto.
“Houve um rapaz afeto ao regime que andou a tentar denegrir a minha imagem. Fez uma montagem com uma notícia do Correio da Manhã [ver imagem], a dizer que eu abandonei três filhos na Guiné, e tem feito chantagem comigo. Calúnia e difamação! Pensam que sou burro… Posso ser pobre de bens materiais, mas não sou de espírito. Vou resolver isto por via legal”, revela ao zerozero.
“Querem calar tudo e todos com chantagem. Mas quanto mais chantagem e montagens fizerem, mais convicto fico de que estou no caminho certo“, remata.
Longe, mas sempre perto. E desengane-se quem pense que Saná vai parar de fazer o bem pelo “seu povo”.
“Claro que tenho receio. Não há segurança na Guiné. Se até deputados têm receio, imagina eu. Mas não vou parar e não vão conseguir queimar a minha imagem. Faço isto com o coração limpo, eu passei por isso e não tenho qualquer tipo de interesse político. Se foi para ajudar as pessoas que tive de deixar de jogar tão cedo, então eu aceito. Não vou parar! É o caminho que eu escolhi”, assegura.
“Desliguei-me do futebol porque aquilo que eu estava a ver era impressionante. Nem sei explicar. O que posso dizer é que já nada me mete medo. Prefiro que digam que sou mau jogador e que sou um bom ser humano. O caráter é que define a pessoa”, finaliza.
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