JOVEM INGLÊS REFORÇA OS DJURTUS
Do FM para a vida real: o jovem inglês que ajuda a Guiné-Bissau a recrutar jogadores para a turma nacional
Há poucos sonhos maiores do que imaginar uma carreira virtual replicada no mundo real. O famoso jogo Football Manager acompanha há três décadas o quotidiano de milhões de apaixonados por futebol e serve de tela às fantasias mais gloriosas e aos desejos mais ardentes de um papel impactante no crescimento e no sucesso de um clube ou de uma seleção.
Esta é a história de Jack Coles, um inglês de 36 anos que «saltou» do virtual para o real para ajudar a seleção da Guiné-Bissau a descobrir jogadores com dupla nacionalidade que pudessem representar o país da África ocidental.
“A Guiné-Bissau está numa excelente posição para tirar vantagem da qualidade dos jogadores que esses países europeus não selecionam”, sublinha Jack Coles, analista de dados do Coventry City.
Jack é funcionário do Coventry City, do Championship, onde trabalha como analista de dados. Nas horas vagas, o inglês natural de Kenilworth dedica-se a procurar jogadores com raízes guineenses que sejam elegíveis para o país com pouco mais de dois milhões de habitantes. «A ideia surgiu enquanto jogava FM», diz Jack em conversa com o zerozero. Se a sua primeira intenção era fazer a ponte entre os Países Baixos e o Curaçau, rapidamente o foco virou-se para a Guiné-Bissau.
“A análise tinha dois objetivos: o primeiro era encontrar nações com jogadores duplamente elegíveis com a maior diferença no ranking mundial da FIFA; o segundo era perceber em que continente era ‘mais fácil’ qualificar-se para um Campeonato do Mundo”. E eis que surgiu a Guiné-Bissau, atualmente no 110.º lugar do ranking FIFA mas que já ocupou o 195.º.
“Descobri que a Guiné-Bissau tinha Espanha, Portugal e França como possíveis nações de dupla nacionalidade e que, por isso, estava numa excelente posição para tirar vantagem da qualidade dos jogadores que esses países europeus não selecionariam”, revela Jack Coles.
E assim, o britânico passou a dedicar o seu tempo para lá das funções no Coventry à ideia de ajudar a aumentar o campo de recrutamento de uma nação com dificuldades em aproveitar todo um vasto campo de possibilidades.
Mas para lá do processo de descoberta, Jack precisava de entrar em contacto com a Federação da Guiné-Bissau. “Costumava falar com pessoas da indústria do futebol e perguntava se conheciam alguém na Federação da Guiné-Bissau e eles achavam a pergunta um pouco estranha”, confessa Jack. Em 2021, acabou por estabelecer contacto com um dos olheiros da Federação, embora a ligação se tenha perdido rapidamente. Até que um ano depois, e através do diretor técnico, a colaboração avançou, também com o aval do presidente do organismo guineense.
Depois de identificados, e com o apoio da Federação, a tarefa seguinte consistia em abordar os atletas. “Os jogadores têm sido mais fáceis, porque como trabalho no futebol posso fazer as abordagens mais adequadas. Na maioria das vezes, eles têm mostrado curiosidade, mas alguns têm sido um desafio para serem convencidos”, conta Jack ao zerozero.
O caso Carlos Mané
No passado dia 11 de setembro, Carlos Mané estreou-se pela seleção africana, frente à Serra Leoa, na qualificação para a Taça das Nações Africanas (CAN). Aos 29 anos, o antigo jogador do Sporting e do Rio Ave, entre outros, contava com presenças nas seleções jovens de Portugal, bem como na seleção olímpica de 2016. Mas sem espaço nas escolhas da equipa principal das Quinas, a porta da Guiné-Bissau voltou a abrir-se.
“O Carlos [Mané] disse ‘não’ durante muito tempo. Foi um dos primeiros jogadores que identifiquei e aconselhei a Federação a contactá-lo, sobretudo porque já está quase nos 30 anos”, conta Jack Coles. “Eu sei o quão difícil foi para a Federação convencê-lo a representar a Guiné-Bissau e quão desapontados estão por só agora o terem conseguido. Acabaram por convidá-lo, mas há uma história pessoal – que eu não entendo. As pessoas da Federação ficam bastante chateadas com jogadores que recusam os convites e acabam por não voltar a contactá-los”, revela.
“O Carlos [Mané] disse ‘não’ durante muito tempo. Foi um dos primeiros jogadores que identifiquei e aconselhei a Federação a contactá-lo”, revela Jack Coles.
Era esse o caso de Mané, até que Jack insistiu: “A minha sugestão foi: não interessa, não é nada pessoal, mas convidem-nos uma e outra vez, nem que seja durante toda a carreira deles”.
O caso do jogador dos turcos do Kayserispor é um dos mais bem-sucedidos no passado recente da Guiné-Bissau e na colaboração de Jack Coles com a nação africana. Ainda assim, o inglês faz questão de sublinhar que não é dono de todos os louros: “Não quero que se fique com a ideia de que fui eu quem fez isto acontecer. Eu ajudei, isso sim, mas seria ofensivo para os restantes elementos da Federação que durante anos trabalharam nisso”.
Ainda assim, o papel de Jack revelou-se impactante no processo: “Falei com o empresário do Carlos Mané que me disse que havia fortes possibilidades de ele aceitar. Acredito que foi comigo que o empresário teve a primeira conversa onde ele percebeu realisticamente que o Carlos devia jogar pela Guiné-Bissau. Eu convenci-o a falar com o Carlos e, por sua vez, convencê-lo a escolher a Guiné-Bissau”, conta.
Mané foi um de oito jogadores que se estrearam no último mês de setembro. Outros como Ronaldo Camará ou Houboulang Mendes também o fizeram e no horizonte da seleção guineense – e na lista de trabalhos de Jack – estão muitos outros nomes potencialmente elegíveis, uns mais difíceis do que outros. Beto, avançado do Everton, ou Carlos Forbs, do Ajax, são dois exemplos de atletas com ambições de chegaram à seleção portuguesa mas que, em teoria, também poderiam representar a Guiné-Bissau.
Para Jack Coles, esses jogadores não devem ser a prioridade neste momento. “O típico jogador que eu penso que a Federação poderá tentar são, por exemplo, o Tiago Djaló, que joga no Lille ou o Toti Gomes, do Wolverhampton. São jogadores com 23 e 24 anos, ao passo que o Forbs, por exemplo, ainda é jovem e pode ser chamado por Portugal”.
Na conversa com o zerozero, Jack Coles não escondeu que o trabalho tem as suas barreiras. Desde logo, na recolha de dados relevantes que o possam ajudar a descobrir jogadores potencialmente elegíveis. “Há um valor, 250 libras, que a Federação tem de pagar ao CIES (Observatório do Futebol) pelos dados sobre jogadores elegíveis pela Guiné-Bissau. Esses dados não são facultados gratuitamente, mesmo depois de eu os ter pedido e explicado que éramos uma organização sem fins lucrativos. A Federação não quer pagar, eu não posso pagar… portanto, se alguém estiver disposto a ajudar [sorrisos]”, atira Jack Coles.
Refira-se que há rumores de forte possibilidade da integração do defesa central franco-guineense Batista Mendy se juntar aos Djurtus no próximo Campeonato Africano das Nações, a disputar-se no início do ano 2024 na Costa do Marfim.
Do FM para a vida real: o inglês que ajuda a Guiné-Bissau a recrutar
Entrevista do jornalista @espenmoos1879 a Jack Coles ‼️
— ZEROZERO (@zerozeropt) October 27, 2023
https://twitter.com/IdrissaDjauJr/status/1715163708240830588?t=oH_q482O3U1YIr4eKEGtZQ&s=19
©️ zerozero.pt/O Golo GB
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