SANGUE GUINEENSE É JOGADOR-TREINADOR

Médio de 31 anos joga e orienta o clube do Campeonato de Portugal
“Sou um treinador ambicioso, competitivo e amigo. Sou um jogador de equipa” – Entrevista Bola na Rede a Miguel Abreu
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Miguel Abreu é jogador e treinador ao mesmo tempo no Vianense. Esta temporada, o luso-guineense de 31 anos é o médio defensivo com mais golos em todas as ligas de Portugal. Como treinador diz ser “amigo” e às vezes quase como um «pai». É o mais recente convidado do Bola na Rede.
– O início do filme e o jogador-treinador –
Bola na Rede: O início da tua carreira parece um filme. A jogar futebol na rua aos 14 anos, um treinador viu-te e foste para os GD Pescadores. Pergunto se fizeste muitos golos nesse dia e como é que um miúdo de 14 anos reage a isso?
Miguel Abreu: Estudava com o filho do treinador em questão e costumávamos ir para um ringue jogar futebol. Sempre tive jeito de futebol de rua. Na altura até praticava handebol. Nesse dia, o treinador foi buscar o filho ao ringue e ficou um pouco a observar o jogo. Depois abordou-me e perguntou-me se queria jogar futebol mais a sério. Disse que sim, mas que tinha algumas dificuldades de transporte. Ele disse que não havia problema e que queria era que eu fosse. Começou assim a minha carreira de futebol.
Bola na Rede: Hoje em dia, aos 31 anos, és jogador e treinador ao mesmo tempo. Jogas no Vianense e treinas a equipa Sub-19 (atualmente em 2.º lugar). Como é que isto aconteceu e como está a ser experiência?
Miguel Abreu: Sempre tive aquele bichinho de querer ensinar. Antes de ir para o Chipre, já tinha começado a tirar o curso em Castelo Branco. Quando voltei, falei com o diretor que estava no Vianense, o Nélson Barbosa, a ver se podia jogar e acabar também o curso de nível 1 de treinador. Encontrámos uma solução e comecei como adjunto dos Sub’17. Fui campeão esse ano. Subiram todos os escalões. No ano seguinte, fui para os Sub’16 como adjunto. Atingimos a fase de campeão. Este ano comecei como treinador principal, ainda faltavam duas semanas para começar a época. Não foi algo planeado e agarrei o projeto dos Sub’19. Está a correr bem e agora o caminho é para a frente.
Tento ensinar quase como se fosse um colega de balneário deles para se sentirem mais à vontade também. Quando tenho de dar uma dura, dou [risos].
Bola na Rede: Quais são os principais desafios em ser jogador e treinador ao mesmo tempo?
Miguel Abreu: Lidar com os jovens. Muita gente, nestas idades, gosta de implementar o trabalho tático. Acho que nestas idades acho que temos de deixá-los escolher o que querem, a sua forma de jogar. Não é uma idade que devemos prender. Ainda tem muito a explorar e sair da caixa. Vamos ensinando algumas coisas táticas, mas acho que não deve ser algo muito específico. Como jogador, tenho várias vertentes de ver o jogo. Tento ensinar nessa parte e quase como se fosse um colega de balneário deles para se sentirem mais à vontade também. Quando tenho de dar uma dura, dou [risos].
Bola na Rede: Se calhar, muitos te perguntam sobre como é gerir esta dupla vida. Pergunto-te se é exatamente isso que te torna melhor jogador e melhor treinador e o que mais aprendeste até ao momento?
Miguel Abreu: Esta vida de jogador-treinador amadurece-me mais como homem acima de tudo. Passo muito tempo praticamente no campo. Fora do campo, também tenho a minha vida familiar e muitas vezes tenho de abdicar de algumas coisas, mas graças a Deus que a minha família compreende isso e apoia-me bastante. De manhã sou jogador, durante a tarde penso nos treinos e tudo e depois à noite é onde vou aplicar a parte de treinador. Às vezes não mudo tanto o chip, porque estou quase como se fosse colega deles. Para mim, não é uma situação diferente. Todos os dias lidamos com diferentes personalidades e cada um tem a sua forma de ser lidado.
Bola na Rede: Acreditas que a relação próxima com os jogadores é um fator diferenciador e fundamental e quais são as principais características a ter para ensinar no futebol de formação:
Miguel Abreu: Acho que acima de tudo devemos ser humanos. Às vezes o jogador não está a ter o rendimento desejado e queremos saber o porquê. Temos de dar à vontade, desabafar, ajudar o jogador a melhorar. Temos de ir ao encontro do plantel que tempos. Ser amigo é isso, é deixar o jogador à vontade e acho que só assim conseguimos ter o melhor dele. Há jogadores que possam ter algum problema em casa, escola.. e depois podem não conseguir dar o melhor dele. Se formos amigos, o jogador pode chegar e dizer “hoje não correu bem o dia, se calhar não vou conseguir dar o melhor no treino”. Temos de compreender isso e lidar da melhor forma. Temos de ser quase como uns pais.
Bola na Rede: Quais são os principais sonhos de Miguel Abreu como treinador?
Miguel Abreu: O meu maior sonho é chegar a patamares que não cheguei como jogador. Como jogador, o patamar mais alto foi a Segunda Liga. Acho que como treinador posso chegar mais longe, talvez às melhores ligas europeias de futebol. Como jogador tinha o objetivo de ser jogador profissional, consegui. Acho que como treinador também vou trabalhar bastante para poder atingir as ligas europeias, mas passo a passo. Procurar aprender mais e acho que vou conseguir chegar lá.
Bola na Rede: Quais são as tuas principais referências no futebol?
Miguel Abreu: Gosto muito, em termos de lidar com os jogadores, do Carlo Ancelotti. É quase como um pai. A matéria prima está toda lá e está a conseguir retirar o melhor de cada um. O Ruben Amorim também pela forma como lida com os jogadores. Em ideias de jogo, gosto muito do Guardiola, do Bielsa, de todo o tipo de futebol apoiado. Não contrario ainda assim um futebol de transição. A minha ideia de jogo é um futebol associativo, mas com progressão ofensiva. Gosto é de marcar golos.

– Miguel Abreu como jogador: A Segunda Liga, o “6” goleador, o pneu furado no Chipre e a Guiné-Bissau –
Bola na Rede: Estreaste-te pelo Arrentela e passaste depois por vários clubes até chegar ao Gil Vicente. Como foi passar do Armacenenses do Campeonato de Portugal para a Segunda Liga, uma competição profissional? É um salto grande.
Miguel Abreu: Quando jogava no Arrentela, jogava como 6, 8. Subimos à 1.ª Distrital e fiz uma época com muitos golos. Fui depois convidado para ir treinar à equipa B do Marítimo que na altura estava na Segunda Liga. Não fiquei pelos direitos de formação e tive de aguardar até aos 23 anos a jogar no Campeonato de Portugal. Fiz uma época boa no Armacenenses e assim que fiz os 23 anos dei um salto para o Gil Vicente (2.ª Liga). Foi um choque. Não estava à espera daquele profissionalismo todo, mas consegui enquadrar-me bem e agarrei o meu lugar. Joguei regularmente a titular e foi algo que me deixou algo muito satisfeito. Sempre ambicionei ser jogador profissional e consegui. Só faltou mesmo a Primeira Liga.
Bola na Rede: Como foi descer na época seguinte de volta para o Campeonato de Portugal e marcar 13 golos como um médio defensivo? Foste o médio defensivo com mais golos em Portugal.
Miguel Abreu: Custou-me um pouco voltar ao Campeonato de Portugal. A nível de Segunda Liga estava muito bem. Até havia, na altura, interesse de alguns clubes da Primeira Liga em contratar-me. Pedi também para ser emprestado à terra onde já tinha jogado, em Moura. Era também o nascimento da minha filha e queria estar perto para ajudar a minha mulher, que nada faltasse à minha filha porque acima de tudo a família está primeiro. Deu-me muita força o nascimento da minha filha e fiz a minha melhor época da minha vida. Ambicionava voltar aos patamares superiores. Segundo o que me foi apresentado, os clubes da Segunda Liga foram fechando os planteis e acabei no Arouca. A nível individual, não fui muito feliz, mas a nível coletivo conseguimos a subida à Segunda Liga.
Emprestaram-me um carro. Íamos no meio da autoestrada, furou o pneu
Bola na Rede: Em 2021/22, foste para a Segunda Liga do Chipre e até, se não estou em erro, chegaste aos quartos-de-final da Taça do Chipre. Como foi a experiência?
Miguel Abreu: Foi um pouco difícil. Tive de deixar a família em Portugal. Lá é um pouco complicado. O futebol é se calhar equivalente a uma Liga 3 aqui. Há clubes de topo, condições e tudo isso. Foi uma experiência engraçada, algo que vou levar para a vida. Nunca tinha tido essa experiência e gostei muito. Neste caso, se voltasse a sair de Portugal, gostava de levar a família para me sentir mais confortável depois dentro de campo. Não fecho portas, porque nunca sabemos a proposta que pode aparecer. A temporada até me está a correr bem.
Bola na Rede: Tens alguma história que te marcou nessa experiência:
Miguel Abreu: Eles são muito apelativos ao Dia do Nome, fazem sempre grandes convívios. O café é com gelo, porque a chuva não existe. Sempre muito calor. E o que é que me aconteceu uma vez? [risos] Emprestaram-me um carro. Íamos no meio da autoestrada, furou o pneu. Tentámos andar, mas já ia na jante. Ficámos parados no meio da estrada, mas depois eles foram lá com um macaco e mudaram-me o pneu. Depois a dificuldade de conduzir à direita…
Bola na Rede: Depois do Chipre, voltaste a Portugal para o Vianense. Em três épocas, és um dos capitães e já disseste sentir-te em casa. Nesta temporada, levas 5 golos (um deles acrobático) e 1 assistência. O objetivo é subir à Liga 3 e como o vês?
Miguel Abreu: O objetivo mentalmente passa por ganhar jogo a jogo. Só assim é que podemos ambicionar alguma coisa. Tentar sempre os três pontos, se não dá os três dá um. Também é importante ser o mais feliz possível dentro do campo. Só jogando com felicidade é que podemos atingir os objetivos.
Bola na Rede: Quais são os principais sonhos de Miguel Abreu como jogador?
Miguel Abreu: Conquistar alguns títulos, poder (se possível) jogar ligas superiores. Ainda tenho o objetivo de jogar numa Primeira Liga, seja em Portugal ou fora. É para isso que trabalho todos os dias. E o maior objetivo que tenho é disfrutar esta vida que tenho no futebol. Também tenho a ambição de representar a Guiné-Bissau. É a terra dos meus pais e a minha também, porque sou luso-guineense. [Muito perto de acontecer?] Na altura que jogava no Moura, fui convidado. Entraram em contacto comigo e comecei logo a tratar dos documentos. Disseram-me que depois entravam em contacto comigo para agilizar isso. Passado esse tempo, não me disseram mais nada e depois saiu a convocatória. Tentei falar com o diretor, mas nunca mais me respondeu. Enquanto houver 1% de esperança acreditamos.
Bola na Rede: Para quem não te conhece, como é que te descreves enquanto jogador e treinador?
Miguel Abreu: Sou um treinador ambicioso, competitivo e também amigo. Sou um jogador com uma ambição enorme também, entrega incrível e um jogador de equipa.
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